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AVALIAÇÃO DAS DIFICULDADES/TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM

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30/06/2018 - Artigos

AVALIAÇÃO DAS DIFICULDADES/TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM

AVALIAÇÃO DAS DIFICULDADES/TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM

A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DAS DIFICULDADES/TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM 

                Em nosso artigo* anterior “As dificuldades e os transtornos de aprendizagem” apresentamos que as dificuldades e os transtornos de aprendizagem não são sinônimos; e quais são as principais diferenças entre os mesmos e as suas incidências nas escolas brasileiras.  Discutimos as diferentes formas que os serviços de saúde recebem estas demandas das escolas e familiares, principalmente.  Destacamos, de forma geral, como se dá a avaliação das dificuldades e dos transtornos de aprendizagem e as principais patologias e condições relacionadas a estas demandas profissionais. Apresentamos as características nosológicas (CID-10) dos transtornos da aprendizagem e os respectivos critérios diagnósticos. Por fim, destacamos os principais fatores relacionados as chamadas dificuldades de aprendizagem.

* veja na íntegra o artigo https://is.gd/d20gY6

                No atual artigo discutiremos sobre os principais métodos, técnicas e instrumentos do profissional de Psicologia para fundamentar os processos de avaliações psicológicas relacionados às dificuldades e/ou transtornos de aprendizagem. 

                Inicialmente, apresentamos alguns conceitos básicos sobre os processos de avaliação psicológica. 

                A avaliação psicológica “(...)é definida como um processo estruturado de investigação de fenômenos psicológicos, composto de métodos, técnicas e instrumentos, com o objetivo de prover informações à tomada de decisão, no âmbito individual, grupal ou institucional, com base em demandas, condições e finalidades específicas” (Art.1º Resolução do CFP nº009 de 2018).  

                Ainda nesta resolução do CFP encontramos no artigo 2º como o Conselho Federal de Psicologia define as fontes de informações que fundamentaram um processo de avaliação psicológica.  Segundo este artigo, o profissional deve, obrigatoriamente, basear sua decisão através de duas fontes: 1º) As Fontes Fundamentais – são os instrumentos psicológicos reconhecidos cientificamente para o uso profissional. Nesta categoria a resolução nomeia os testes psicológicos aprovados pelo CPF par ao uso profissional; as entrevistas psicológicas e anamneses; e/ou os protocolos ou registros de observação de comportamentos; 2º) As Fontes Complementares – são os recursos auxiliares ou fontes de informações complementares obtidas através de técnicas e instrumentos não psicológicos, mas que possuam respaldos da literatura científica da área e respeitem princípios éticos e legislações da profissão; também são consideradas fontes complementares os documentos técnicos (protocolos, prontuários, relatórios) de outros profissionais e/ou equipes multiprofissionais. 

                Entender estas bases de fontes de informações que fundamentam processos de avaliações psicológicas é importante para o planejamento e estruturação de diagnósticos e intervenções em demandas de dificuldades e/ou transtornos de aprendizagem. Assim, a/o profissional deverá utilizar obrigatoriamente métodos, técnicas e instrumentos aprovados pelo CPF e/ou reconhecidamente científicos pela área da educação/aprendizagem, desde que respeitem os princípios normativos e éticas da profissão do psicólogo. 

                Agora apresentaremos dicas sobre a estruturação e os principais métodos, técnicas e os testes psicológicos que fundamentam processos avaliativos para demandas envolvendo aprendizagem. 

                Conforme vimos no artigo anterior, a maior parte das demandas envolvendo problemas de aprendizagem, envolvem as dificuldades de aprendizagem e não os transtornos de aprendizagem. As dificuldades de aprendizagem geralmente são multicausais, ou seja, podem serem causadas por diversos contextos que envolvem desde situações da dinâmica familiar, dificuldades envolvendo o processo de ensino-aprendizagem, transtornos diversos do desenvolvimento e psicológicos, como Transtornos de Desadaptação, Transtornos e Déficit da Atenção e Hiperatividade, estresse infantil, contextos de abuso e violência vivenciadas, patologias orgânicas, até mesmo problemas de visão, etc. 

                 Já os transtornos de aprendizagem são os problemas de aprendizagem que tem como causa fatores biológicos/neurológicos/genéticos. O Código Internacional de Doenças (CID), em sua 10º edição, denomina a existência de três transtornos de aprendizagem: Dislexia, Discalculia e Disortrografia.  

                 Assim, é muito importante que a/o profissional compreenda os principais contextos e as causas que podem gerar problemas de aprendizagem e adote critérios para realização de diagnósticos diferenciais entre as dificuldades e os transtornos de aprendizagem.  Abaixo apresentaremos informações sobre os principais métodos e técnicas utilizados pelos profissionais para avaliação para estas demandas.

                                          O PROCESSO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PARA AS DIFICULDADES/TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM

1º ETAPA – LEVANTAMENTO DE INFORMAÇÕES DA DEMANDA. 

                 Esta etapa deve ocorrer no início dos trabalhos. Normalmente ela tem início a partir do primeiro contato com a demanda pelo profissional, através do contato com os familiares e/ou profissionais da escola. É uma etapa fundamental para o entendimento inicial da situação, levantamento de possíveis hipóteses e para o planejamento do processo avaliativo.  Recomendo que nesta fase inicial, os primeiros contatos ocorram sem a presença da criança/adolescente com problemas de aprendizagem.  

                Esta primeira etapa pode durar de 2 a 4 encontros e pode ocorrer concomitantemente ao início dos atendimentos da criança e do jovem. 

                As principais técnicas e instrumentos que podem fundamentar esta etapa são: as entrevistas psicológicas com os responsáveis, professores e terceiros que possam contribuir  com informações importantes para formulação das hipóteses iniciais; aplicação de questionários e protocolos de observação do comportamento hetero aplicados, que favorecem levantamento de informações objetivas e mais estruturadas sobre o comportamento da criança/adolescente e ajuda a entender os contextos e as reações que envolve a situação. Estes são aplicados, normalmente, em familiares, profissionais da escola, outros profissionais de saúde que acompanham o paciente; por fim, levantamento de informações de documentos, se houverem, de outros profissionais que assistem a criança ou o jovem; visita da/o psicóloga/o para realizar observações da criança/jovem dentro do ambiente escolar. Esta só recomendo se ainda não ocorreu o contato com o paciente, pois depois deste primeiro contato, a presença da/o profissional poderá provocar forte influência no comportamento do examinando. 

              2º ETAPA - ANÁLISE DA DEMANDA, LEVANTAMENTO DAS HIPÓSTESES INICIAIS E PLANEJAMENTO DO PROCESSO AVALIATIVO

                Nesta segunda etapa, a/o profissional deverá realizar a análise das informações colhidas na etapa anterior, compara-las com os estudos e referências teóricas e pesquisas acerca da temática. Levantar as hipóteses iniciais e os possíveis diagnósticos diferenciais a serem realizados, e estruturar o planejamento do processo avaliativo.

                No planejamento do processo avaliativo, deve-se considerar o perfil do avaliado (idade, escolaridade, etc), as queixas e os contextos que envolvem os problemas de aprendizagem, o suporte e as condições do ambiente sociofamiliar e os aspectos de funcionabilidade apresentados pelo examinando. 

                Esta etapa ocorre já durante o primeiro contato com a demanda e acaba se estendendo até os primeiros atendimentos realizados com os familiares e a criança e/ou adolescentes. 

                3º ETAPA – O PROCESSO DE AVALIAÇÃO PROPRIAMENTE DITO 

                Durante o processo de avaliação propriamente dito, é importante não apenas escolher os instrumentos e técnicas mais apropriadas para a demanda e o perfil do avaliado, mas é importante organizar a aplicação de forma mais assertiva. Por exemplo, evitar nos primeiros atendimentos a aplicação de instrumentos de habilidades cognitivas mais objetivos e ansiogênicos para as crianças que apresenta problemas de aprendizagem. Lembre-se que os problemas apresentados por elas já podem estar cercados de preconceitos e julgamentos errôneos pelas pessoas do envolto e pela própria criança e/ou adolescente. 

                No  processo  psicodiagnóstico  de  crianças  ou  adolescentes,  a  coleta  de informações  divide-se  em  duas  modalidades  principais:  autorrelato  e heterorrelato. Cada metodologia tem vantagens e desvantagens. O autorrelato ocorre  quando  a  própria  criança  fornece  as  informações.

                Nossa dica é focar nos primeiros atendimentos atividades mais lúdicas, como desenhos, teste HTP, teste das pirâmides coloridas, jogos das emoções, etc; e as entrevistas menos estruturadas que favorecem maior possibilidade de rapport com a criança/adolescente. Pode-se optar por aplicações de instrumentos de habilidades cognitivas que provocam menor ansiedade, como o teste Bender, o teste DFH, o teste WISC-IV também é uma excelente opção. 

                Para estas avaliações o profissional deverá realizar uma anamnese (entrevista semi-estruturada) com os responsáveis da criança ou adolescente. Pode-se então separar os três primeiros atendimentos para o fortalecimento do rapport com o examinando, lembrar que a anamnese foi realizada com os responsáveis na etapa anterior. A partir do 4º ou 5º atendimento a/o profissional já haverá testados ou aprofundado algumas hipóteses, inclusive identificando se os problemas de aprendizagem estão mais relacionados a dificuldades ou a transtornos da aprendizagem. Pode-se utilizar instrumentos e técnicas que favorecem maior investigação das possíveis causas ou motivos relacionados as queixas. Durante todo o processo de avaliação é necessário, na maioria dos casos, manter novos contatos com os familiares e terceiros (professores, profissionais de saúde que atendem a criança/adolescente) para esclarecimentos de pontos. 

                Outro ponto importante é mesclar os instrumentos psicológicos de acordo com a forma que procuram colher as informações da criança/adolescente. Mesclar a utilização de escalas de autorrelato e heterorrelato que identificam situações, comportamentos, sentimentos, pensamentos e outros indicadores psicológicos de forma mais objetiva e estruturada; com os  testes de habilidades cognitivas mais estruturados e aqueles que apresentam indicadores cognitivos de forma menos estruturadas; os testes projetivos que possibilitam a investigação de condições psicológicas que, muitas vezes, podem não ser facilmente acessadas por dificuldades de comunicação, inibição entre outras situações; e a utilização de instrumentos não psicológicos, mas que são amplamente reconhecidos para as práticas da avaliação das dificuldades e dos transtornos de aprendizagem. 

                Uma observação refere-se a necessidade de realização de entrevistas nosológicas mais estruturadas quando surgem suspeitas de transtornos psicológicos, transtornos do desenvolvimento e/ou os transtornos de aprendizagem. Os diagnósticos de transtornos nunca devem ser baseados apenas em resultados dos testes psicológicos, o exame clínico psicológico, as entrevistas psicológicas realizadas, anamneses feitas são fundamentais para a realização dos chamados diagnósticos nosológicos. 

               4º ETAPA – FASE DE CONSOLIDAÇÃO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES, CONCLUSÃO DO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO, ELABORAÇÃO E                                        EXECUÇÃO DA DEVOLUTIVA, ENCAMINHAMENTOS NECESSÁRIOS. 

                Por fim, após a fase da avaliação propriamente dita, a/o profissional deverá realizar a consolidação e análise de todas as informações colhidas no processo investigativo, comparando com as hipóteses inicialmente levantadas, os critérios diagnósticos e estudos científicos relacionados as problemáticas identificadas. A apresentação da devolutiva pode ser realizada através de entrevistas devolutivas, mas sempre é importante que o profissional elabore o laudo/relatório psicológico da avaliação realizada, conforme preconiza a resolução do CFP n°007 de 2003. E a comunicação por escrito é sempre indicada quando é necessário a comunicação para terceiros (escola, pediatra, neuropediatra, terapeuta ocupacional, etc).

                             OS TESTES PSICOLÓGICOS PARA AVALIAÇÃO DAS DIFICULDADES E/OU TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM  

                Ressaltando que a escolha dos testes psicológicos deve estar respaldada pelo que trata a resolução do CFP nº 009 de 2018, devendo, também, ser pertinente a problemática, demanda da avaliação e ao perfil do examinando. É importante a utilização de instrumentos que já possuem estudos e amplo reconhecimento dos profissionais que atuam nestas demandas avaliativas.

                Pesquisas (Noronha,  Beraldo,  &  Oliveira,  2003 tem apresentado que os instrumentos mais utilizados pelos profissionais brasileiros no processo de avaliação do psicológica com crianças e/ou adolescentes tem sido: o teste de WISC (escala de inteligência Wechsler para crianças); o testes de personalidade HTP (Casa-Árvore-Pessoa); o teste de Apercepção Infantil (CAT) que atualmente possuem duas modalidades, CAT-A (figuras de Animais) e o CAT-H (figuras Humanas); Além da utilização de escalas, entrevistas, desenhos livres-temáticos, etc. 

                Como sugestão, também sugerimos a utilização, para maioria dos casos de outros testes psicológicos, como: ESI (Escala de Stress Infantil); ESA ( Escala de Stress para Adolescentes); Winconsin Classificação de Cartas (WSCT); Teste de inteligência infantil DFH (Desenho da Figura Humana); BPA (Bateria de Provas de Atenção); NEUPSILIN (Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve);RAVLT (Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey); Figuras Complexas de Rey (teste de memória); entre outros. 

                Outros instrumentos e técnicas não psicológicas: TLPP (A Tarefa de Leitura de Palavras e Pseudopalavras); Baralho das Emoções, das Habilidades Sociais, Desenvolvendo as relações, etc; MTL Brasil (Bateria Montreal Toulouse de Avaliação da Linguagem); Desenho e estórias temáticas de Valter Trinca; Desenhos livres; o Desenho da Família; entre outros. 

                Cabe ao profissional, de acordo com as demandas das avaliações, hipóteses levantadas e objetivos do trabalho, estruturar e se responsabilizar por todo o processo da avaliação psicológica das dificuldades e/ou transtornos de aprendizagem; considerar que estas demandas são multicausais e que necessitam de avaliações e intervenções multidisciplinares;  e que em boa parte dos casos, os problemas de aprendizagem são apenas consequências de outras situações e estados emocionais que a criança e/ou adolescente podem estar vivenciando em seu ambiente familiar, escolar,  social, etc. 

 Autor: Manoel Vieira de Carvalho Alencar, 
Psicólogo Especialista em Clínica. CRP-15/2121

Referências:

http://www.scielo.br/pdf/%0D/pe/v10n1/v10n1a14.pdf   

https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2009/04/resolucao2009_01.pdf

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