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AS PERÍCIAS PSICOLÓGICAS EM SAÚDE - PARTE 01

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30/05/2019 - Artigos

AS PERÍCIAS PSICOLÓGICAS EM SAÚDE - PARTE 01

AS PERÍCIAS PSICOLÓGICAS EM SAÚDE - PARTE 01

Neste artigo abordaremos os principais contextos extrajudiciais da avaliação psicológica em demandas de saúde. A maioria destas avaliações apresentam configurações de perícias psicológicas por diversos motivos, como: são regulamentadas por normativos que as tornam pré-requisitos para procedimentos em saúde; possuem relação profissional-paciente que diverge do atendimento clínico, pois as expectativas e motivações dos pacientes, em sua maioria, estão voltadas para conseguir o “apto” ao procedimento de saúde; o foco destas avaliações é levantar indicadores psicológicos favoráveis ou desfavoráveis aos procedimentos em saúde, além do aconselhamento psicológico; e a comunicação do resultado da avaliação deverá ser feita através de documentos psicológicos (laudo e/ou atestado psicológico) com resultado conclusivo e indicativo ao procedimento em saúde. 

As perícias psicológicas em saúde.  Segundo Emílio Bicalho uma perícia psicológica pode ser entendida como um exame de situações ou fatores relacionados a coisas ou pessoas, realizado por um especialista na matéria com objetivo de elucidar um determinado aspecto técnico.    Assim, as perícias em saúde objetivam o exame das situações/condições psicológicas do examinando em relação a submeter a um determinado procedimento em saúde.  

“A atuação do psicólogo como perito consiste em uma avaliação direcionada a responder demandas específicas no contexto pericial.”   (Res. CFP nº 17 de 2012)

Entre as principais demandas de perícias psicológicas em saúde estão as avaliações psicológicas para: demandas de cirurgia bariátrica; procedimentos de vasectomia e laqueadura; e demandas de readequação genital. 

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PARA CIRURGIA BARIÁTRICA 

A cirurgia bariátrica tem uma das grandes demandas de perícias psicológicas em saúde. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBSBM) a cirurgia bariátrica é um dos tratamentos para obesidade de alta frequência. Nos últimos anos o número de cirurgias aumentou em 47%, sendo realizados só ano de 2017 mais de 105 mil cirurgias bariátricas no país.  O Brasil é considerado o segundo país do mundo em número de cirurgias realizadas. 

Mas como se configura a avaliação psicológica para cirurgia bariátrica? 

Atualmente a normativa que regulamenta o procedimento da cirurgia bariátrica (gastroplastia) é a Resolução Normativa (RN) da Agência Nacional de Saúde (ANS) de  nº 428 de 2017. Que em seu anexo II define dois grupos de critérios a serem consideradas na indicação de pacientes para cirurgia bariátrica, são eles:

Grupo I (critérios indicativos): Índice de Massa Corpórea (IMC) entre 35kg/m² a 39,9 Kg/m² com comorbidades; ou IMC igual ou maior do que 40 kg/m² com ou sem comorbidades.  

Grupo II (critérios contra indicativos): pacientes psiquiátricos descompensados, especialmente com quadros psicóticos ou demenciais graves ou moderados; uso de álcool ou drogas ilícitas nos últimos 05 anos. 

Na prática a avaliação das condições mentais de pacientes com indicações de cirurgia bariátrica são realizadas por profissionais psicólogos ou psiquiatras. Apesar de não existir na normativa da ANS maiores especificações das condições e construtos psicológicos a serem avaliados, existem materiais com estudos e pesquisadores de profissionais que atuam na área com a identificação de fatores importantes a serem considerados nestas avaliações. 

Entre os principais fatores psicossociais estudados e avaliados em demandas de cirurgia bariátrica estão: a compreensão do paciente quanto à operação e as mudanças de estilo de vida necessárias; as expectativas quanto os resultados e consequências da cirurgia; habilidade de aderir às recomendações operatórias (pré e pós); o comportamento alimentar; as comorbidades psiquiátricas comumente relacionadas com a obesidade; identificação do suporte social; uso e abuso de substâncias químicas (álcool e outras drogas);  estilo do funcionamento cognitivo; autoestima e controle emocional; histórico de traumas/abusos; presença de ideação suicida; status socioeconômico; etc.  A presença de instabilidade emocional, transtornos alimentares, transtornos psicóticos, transtornos do humor, ideação suicida e outros transtornos psicológicos são fortes fatores contra indicativo a cirurgia. 

Entre os principais métodos, técnicas e instrumentos adotados pelos profissionais para realização da avaliação psicológica para cirurgia bariátrica estão as entrevistas psicológicas clínicas (com o paciente e terceiros), a testagem psicológica (testes de inteligência, atenção, memória; testes projetivos e inventários da personalidade). O procedimento da avaliação dura em média de 8 a 12 encontros, e também apresenta uma configuração de aconselhamento psicológico. 

Abaixo apresentamos sugestão da estruturação do processo avaliativo para demandas de cirurgia bariátrica

1) Entrevista semi-estruturada (história clínica, vida, hábitos alimentares, padrões de relacionamentos, fantasias, a relação com o ato de comer, crenças e expectativas acerca da doença e dos resultados da cirurgia);

 2) Identificação de indicadores de auto-estima, qualidade de vida, vida social e profissional; 

3) A avaliação de contra indicadores psicológicos, seja na entrevista ou nos instrumentos psicológicos, como: sintomas ativos de transtorno obsessivo-compulsivo e de transtorno bipolar, presença de compulsões, crises de ansiedade, transtornos alimentares, níveis de estresse e estressores de vida severo, depressão, ideação suicida, comorbidades psiquiátricas atuais e prévias, histórico de trauma/abuso;

4) Avaliação de indicadores psicológicos como: capacidades cognitivas preservadas, estabilidade emotiva; e

5) Identificação de preditores de sucesso pós-operatório, de adequada capacidade de inteligência e compreensão da doença, da cirurgia e suas consequências na vida do sujeito.

A entrevista clínica e a testagem psicológica aparecem como recursos valiosos para a obtenção de informações sobre o funcionamento psicológico do paciente.  

Em relação a escolha dos testes psicológicos é interessante mesclar instrumentos no processo avaliativo que aborde vários construtos psicológicos, relacionando os resultados dos instrumentos com as demais técnicas utilizadas. 

Existe um instrumento de avaliação desenvolvido especificamente para demandas de avaliação para cirurgia bariátrica é o teste psicológico PsyBari. Porém o mesmo ainda não está regulamentado para utilização no Brasil.

Por fim, considerando a alta incidência de complicações médicas e psicológicas de pacientes no pós-cirúrgico, em alguns casos chegando ao óbito, a avaliação psicológica assume um papel importante como preditor das condições psicológicas do avaliado em se adaptar as mudanças de condutas, hábitos alimentares e restrições comumente vivenciadas pelos pacientes de cirurgias bariátricas.  A prática desta avaliação psicológica deve ser assumida pela(o) profissional com muita responsabilidade e considerar a complexidade desta demanda e os impactos na vida do paciente. 

Em nosso próximo artigo (Perícias Psicológicas em Saúde parte II), abordaremos as pericias psicológicas para as demandas de cirurgias para vasectomia, laqueadura e readequação genital. 

Manoel Vieira de Carvalho Alencar

Especialista em Psicologia Clínica. 

CRP15/2121